segunda-feira, 29 de junho de 2009

Avaliação do Hemograma.

As votações encerraram e os leitores do MedVet InFocus estiveram mais interessados em saber sobre a interpretação do hemograma com 73% dos votos. O que não me surpreende pois o hemograma, embora sendo um dos exames iniciais e "básicos" em quase todos os pacientes, continua sendo um exame que exige um nível de conhecimento e experiência por parte de quem está avaliando.

O exame de sangue completo envolve o estudo das células vermelhas (hemograma), células brancas (leucograma) e das plaquetas. Eu prefiro sempre começar a avaliar o exame de sangue pelas células brancas, porque dependendo das alterações notadas no leucograma você já pode antecipar como o hemograma poderá estar. Não vamos falar sobre o leucograma nesse texto.

Um dos primeiros grandes fatores que já fazem com que a maioria dos clínicos não aproveitem tudo o que o hemograma tem parae oferecer é não realizar um esfregaço sanguíneo junto com o hemograma. O exame de sangue completo deveria envolver a análise de dados quantitativos e qualitativos (esfregaço sanguíneo). Para exemplificar a importância do esfregaço sanguíneo, em uma situação de emergência, basta checar o hematócrito, proteínas totais e realizar o esfregaço que você terá informações suficientes para tomar atitudes rápidas enquanto espera pelo resto do hemograma.

Você deve sempre tentar avaliar todos os parâmetros testados no hemograma. Eu particularmente dou muito mais atenção ao hematócrito, hemáceas, proteínas totais e hemoglobina, esses são todos indicadores de massa celular. Os índices (MCV, MCHC, MCH e RDW) também são importantes e podem ajudar a diferenciar as anemias em regenerativa ou não-regenerativa, mas eu não confio muito neles e prefiro me basear no valor dos reticulócitos.

A primeira coisa que eu faço ao ver um hemograma é tentar checar se existe anemia, policitemia ou se está normal. Você só precisa olhar os valores do hematócrito, hemoglobina (Hb) e a contagem de hemáceas. Se você tem valores baixos nesses testes então você está diante de uma anemia. Valores normais podem acabar mudando em poucas horas ou dias então é importante sempre checar o hemograma várias vezes, e valores aumentados indicam um estado de policitemia.

Frente a uma anemia é importante classificá-la em regenerativa ou não- regenerativa. Muita gente usa apenas os índices para chegar a essa conclusão, mas como eu disse, eu prefiro me basear na contagem de reticulócitos e no esfregaço sanguíneo na procura por policromasia. Outro detalhe na contagem de reticulócitos é sempre avaliar seu valor exato. Alguns laboratórios informam apenas a % de reticulócitos. Se isso acontecer basta pegar essa % e multiplicar pelo valor das hemáceas, isso lhe dará um valor absoluto de reticulócitos. Caso você tenha chegado a conclusão de que essa anemia é mesmo regenerativa, existem dois mecanismos principais que causam esse tipo de anemia: 1 - hemorragia e 2 - hemólise, e muitas vezes o exame físico pode ajudar a eliminar uma ou outra causa. Outro macete é olhar o valor dos reticulócitos, valores muito altos tendem a acontecer em anemias hemolíticas e o motivo disso é porque quando as células vermelhas se rompem, elas acabam liberando ferro na circulação, e esse ferro é utilizado pela medula óssea para eritropoese. Novamente a avaliação do esfregaço sanguíneo é fundamental nos casos de anemias hemolíticas na busca de heinz bodies, esferócitos, micoplasma, protozoários e e fragmentação de hemáceas.

Mas e se a anemia é não-regenerativa? Nesse caso você deve perguntar a sí mesmo se existe como determinar a origem sem ter que olhar na medula óssea. A maioria dos casos de anemia não-regenerativas são causadas por inflamações crônicas e esse é um dos motivos do porque eu gosto de ver o leucograma antes.

E por fim, para não termos um texto muito comprido, se não há anemia mas sim policitemia você precisa determinar se essa policitemia é absoluta ou relativa, 90 a 95% dos casos de policitemia são relativas, ou seja, causadas pela hemoconcentração.

Interessado em saber mais sobre esse assunto por favor poste seu comentário abaixo ou mande sua pergunta via e-mail.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Obesidade em Cães

Obrigado pela participação dos que postaram seus votos para o próximo assunto. A maioria quis saber mais sobre Obesidade em cães. O que não me surpreende muito pois esse é um assunto muito importante hoje em dia em medicina veterinária. Na verdade não somente na veterinária mas obesidade vem crescendo também na população humana. Os dados que vou usar são todos dos EUA, eu acredito que a obesidade nos EUA é pior do que nos outros países mas não muito pior. O último estudo em cães nos EUA envolveu uma população de quase 22.000 cães de vários estados em diversos hospitais veterinários e estimaram que 29% desses cães estavam acima do peso enquanto 5.1% eram obesos. O que preocupa é que estando acima do peso ou obeso já era o suficiente para exacerbar doenças ortopédicas, causar resistência a insulina e pior de tudo diminuir a expectativa de vida.

Por esse motivo é importante trabalhar a idéia da obesidade em pacientes que estão acima do peso, não necessariamente obesos, e para isso a melhor maneira é utilizar o índice de escore corporal que avalia a presença de tecido adiposo com relação ao peso ideal. Esse mesmo índice pode ser usado em pacientes obesos para checar o progresso da perda de peso. Existem dois sistemas principais, eu prefiro usar o sistema de 9 pontos, cada ponto representa 10-15% do peso ideal e obesidade é considerada quando existe 25% acima do peso ideal.

Sem dúvida e pergunta que mais escuto falar sobre esse assunto é - Quanto devo dar de comida? O consumo ideal de comida deveria na verdade ser calculado para cada indivíduo incluindo todas as fontes de calorias, "comida da mesa - restos de comida"e biscoitos para cães. Se esse valor pode ser determinado, o programa de perda de peso consiste em oferecer 80% da energia requerida diária. Caso esse valor não possa ser determinado (maioria dos casos) devido a maneira em que o proprietário alimenta seu cão, o recomendável é utilizar a fórmula de Energia requerida em repouso (RER do inglês resting energy requirement).

RER = 70 * (peso em KG)^3/4

Uma vez respondida essa pergunta, vem a próxima pergunta mais comum - O que devo dar de comer? Para um programa de perda de peso eu recomendo usar dietas terapêuticas veterinárias, essas dietas possuem calorias "diluídas" em um volume de fibras. Mas independente da fórmula utilizada, dietas para perda de peso devem conter pelo menos 90% de calorias necessárias diariamente. Um dos motivos que me levam a preferir usar diétas terapêuticas é a certeza de que não estou restringindo outros nutrientes essenciais.

Eu vejo que muitos clientes hoje em dia estão mais conscientes que devem começar um programa de dieta para seus cães obesos mas poucos conseguem passar pela fase de manutenção da dieta. As diétas terapêuticas não servem como dietas fixas para a vida do animal, elas servem apenas para que eles possam perder peso e voltar ao peso ideal. O trabalho principal vem na manutenção do peso. Para acompanhar o progresso da perda de peso eu peso o animal na mesma balança cada 2 - 4 semanas. O objetivo é perder 1 a 2% de peso por semana. Por exemplo, um cão com escore corporal de 7/9 está pelo menos 20-30% acima do peso, se o plano for perder 1% de peso por semana, isso pode levar de 20-30 semanas, por isso os donos desistem no meio do tratamento. Essa mesma situação pode piorar caso o dono aumente a restrição de comida para acelerar a perda de peso. É importante o veterinário estar atendo as percentagens de perda de peso e controlar a mesma, perder peso muito rápido devido a alta restrição pode causar mudanças comportamentais nos cães como implorar por comida ou roubar comida da mesa ou do lixo. O inverso também pode acontecer, o cão pode perder muito pouco peso ou até ganhar peso, nesse caso devemos orientar o proprietário novamente sobre os benefícios do programa.

Caso queira saber mais sobre Obesidade em cães poste seu comentário abaixo.

sábado, 13 de junho de 2009

Achados de Malignidade na Citologia.

Respondendo uma pergunta de um colega que pratica em Belo Horizonte, MG. "Prezado Dr. Bolfer, eu acompanhei como leitor o último caso de Linfoma do Hospital Veterinário Virtual - www.freepowerboards.com/hvv - e gostaria de saber quais são os critérios usados para se chegar a conclusão de que as células são realmente malignas?

Identificar malignidade nas células de um slide, seja ele um aspirado um uma impressão, é muito subjetivo e pode variar muito entre observadores. Eu não sou patologista e recomendo sempre enviar amostras de tecido e slides para o laboratório para ter um avaliação mais especializada, mas acredito que podemos ter uma idéia geral do que está acontecendo fazendo citologias na hora no hospital. Para isso eu uso um critério que envolve tentar identificar pelo menos 4 ou 5 das 8 características básicas de malignidade abaixo.

1 - Anisocariose - variação no tamanho das células

2 - Ploemorfismo - variação no tamanho e no formato de células do mesmo tipo celular

3 - Alta relação núcleo:citoplasma - geralmente aumento do núcleo e pouco citoplasma

4 - Atividade mitótica acentuada - essa característica é rara em células de tecidos normais, nas mais variadas neoplasias você pode encontrar figuras mitóticas ou células que não estão se dividindo igualmente.

5 - Padrão de cromatina "grossa" - quando você tem cromatina onde o padrão parece mais grosseiro ou rugoso do que o normal.

6 - Transformação Nuclear - são deformidades notadas no núcleo das células por núcleos na mesma célula ou em outras células adjacentes.

7 - Multinucleação - presença de múltiplos núcleos em uma mesma célula.

8 - Variação Nuclear - presença de núcleos que variam em tamanho, forma e número.

Infecção Cutânea por Fonsecaea pedrosoi em cães

Foi publicado no Journal of Veterinary Diagnostic Investigation o relato de caso de um cão diagnosticado com Fonsecaea pedrosoi. (Rajeev, S, Clifton G, Watson C, Miller D. J VET DIAGN INVEST 20:379-381, 2008). Os autores relatam ter diagnosticado a infecção em um cão da raça Jack Russeal Terrier na Geórgia, EUA. O paciente apresentava história cronica de doença de pele que tem respondido minimamente a vários antibióticos e antifúngicos. Foi realizada biópsia de pele para análise histopatológica e cultura fúngica e bacteriana. A análise revelou inflamação mista com alta população de linfócitos, macrófagos, células plasmáticas e reduzido número de eosinófilos e neutrófilos. Uma população mista de bactérias cresceu na cultura bacteriana mas o que chamou a atenção foi o crescimento de F. pedrosoi na cultura fúngica.

F. pedrosoi é o agente etiológico da cromoblastomicose em humanos, uma infecção fúngica cutânea e de tecidos subcutâneos. Esse fungo já havia sido isolado anteriormente em um gato mas nunca em um cão. Esse tipo de infecção requer uma terapia médica e cirúrgica significativa e raramente é curativa. Recorrências e relapsos são muito comuns. Esse paciente foi tratado com itraconazole mas apresentou diversos episódios de relapso durante tratamento.

Comentários
Esse é o primeiro caso de infecção por F. pedrosoi em cães. Devido a dificuldade no tratamento dessa infecção, esse fungo deve ser colocado na lista de diferenciais para doenças crônicas de pele especialmente em animais que vivem em áreas tropicais e subtropicais. Esse organismo possui potencial zoonótico e por isso o diagnóstico deve ser feito o mais cedo possível.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Atopia em Cães.

Obrigado pelas votações. O tópico Atopia em cães foi o mais votado com 42% dos votos. Vou escrever algumas coisas que foram comentadas mais recentemente sobre o assunto no Simpósio de Medicina Veterinária que ocorreu em fevereiro desse ano na Universidade da Califórnia - Davis.

Atopia é uma das dermatites mais comuns em cães. No entanto a patogenicidade dessa doença de pele é ainda pouco compreendida e não existe um teste diagnóstico específico. O diagnóstico da Atopia continua sendo um diagnóstico de exclusão de outras doenças com sintomas similares. Outras doenças que apresentam sintomas similares são: Alergia a picada de pulga, alergia alimentar, sarnas, pioderma ou dermatite fúngica por Malassezia. O grande problema está em diagnosticar os casos onde essas doenças estão presentes em conjunto.

O manejo do paciente com Atopia envolve 8 princípios que devem ser seguidos a risca.

1 - Comprometimento do proprietário em seguir as recomendações médicas
2 - Evitar contato com alérgenos conhecidos
3 - Controle efetivo e a longo prazo de pulgas
4 - Controle de uma alergia coexistente (alergia alimentar, pulgas)
5 - Controle do crescimento de bactérias oportunistas assim como fungos
6 - Utilização de terapia tópica
7 - Controle da inflamação com anti-inflamatórios não esteroidais
8 - Imunoterapia específica anti-alérgica

Caso tenha interesse em saber como se deve proceder em cada princípio desse deixe seu recado aqui.


terça-feira, 2 de junho de 2009

Doença Renal Crônica em Gatos.

Gatos possuem predisposição para doenças renais. Doença renal crônica ou insuficiência renal crônica requer um monitoramento do curso normal da doença assim como da resposta do paciente a terapia. Foi publicado recentemente no North American Veterinary Conference 2009 um estudo sobre o tema. (Polzin D. NAVC PROC 2009, pp761-764.)

Quando falamos sobre a terapia de gatos com IRC, estamos nos referindo principalmente aos 4 objetivos principais - 1) Prover nutrição adequada e de qualidade, 2) Corrigir deficiências e excessos de fluido e eletrólitos, 3) Aliviar os sinais clínicos da doença e 4) Prover uma terapia que seja protetora renal e que reduza o progresso da doença. O primeiro objetivo acima citado, requer a atenção a duas recomendações principais - oferecer uma ração renal e garantir uma nutrição adequada. Quando se fala em dieta renal, não se trata apenas de baixo valor proteico, mas modificar uma variedade de outros fatores que são de grande benefício ao paciente. A má nutrição é a principal causa de morbidade e mortalidade em gatos com IRC. Com relação ao objetivo 2 acima, as recomendações principais são; manter a concentração de fósforo abaixo dos valores críticos, manter o valor de potássio dentro dos limites normais, corrigir acidose metabólica e manter a hidratação. O terceiro objetivo principal, citado acima, tem como foco corrigir uma possível anemia com uso de fármacos como eritropoetina e aliviar sinais gastrointestinais como redução do apetite, náusea, vomito, estomatite urêmica e halitose. O quarto objetivo serve para tentar diminuir o progresso da doença, reduzindo a magnitude da proteinúria, minimizando a hipertensão e provendo calcitriol quando necessário.

Comentários:
O tratamento da IRC exige uma integração forte entre proprietário e veterinário, é importante concientizar o proprietário que se trata de uma doença progressiva e que o tratamento visa aumentar a qualidade e expectativa de vida do paciente.